entrevista com a banda letuce

11maio10

foto: ana alexandrino

durante uma das minhas andanças por essa internet imensa e sem porteiras acabei trombando com essa banda, letuce. formada por letícia novaeslucas vasconcellos, um casal, a banda lançou um dos discos mais legais de 2009, muito embora eu só tenha tomado conhecimento disso há poucos mais de dois meses. “plano de fuga para cima dos outros e de mim” é uma bela compilação de músicas que falam sobre o amor na sua forma mais genuína. é música perfeita para andar de mãos dadas num domingo ensolarado apenas curtindo o momento ou então passar o dia de bobeira falando besteira com a namorada. ouvindo o disco percebe-se que a banda é bem low-profile, faz tudo a seu tempo, com calma, sem desespero de ser o novo hype do momento.

mesclando bossa nova, uma pitada de música francesa com arranjos muito bem feitos e letras espertas que fogem do clichê e dão personalidade própria à obra, o álbum é uma das gratas surpresas no cenário independente carioca. “plano de fuga…” ainda traz duas versões classudas. a primeira para “acontecimentos”, da marina lima, e “caso sério”, de rita lee, aqui totalmente reinventada pela banda e com letra em francês. a nova roupagem ganhou o nome de “serieuse affair”.

o let it blog conversou com lucas e letícia, a espinha dorsal da banda, sobre o disco.

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* contem um pouco da história da banda, como surgiu, desde quando existe etc…

letícia novaes – nos conhecemos de maneira intensa e determinante, o que viria a partir do nosso encontro não seria o básico, seria transformador. começamos a fazer músicas e a mostrar para amigos que amaram e pediram show, tudo bem calmo e natural. nos conhecemos em outubro de 2007 e só fizemos o primeiro show 1 ano depois.

lucas vasconcellos – outubro de 2007!!!! parece ontem e parece tão distante. a imperdível ação poética da letícia me incitou a criar harmonias para aquelas palavras melodiadas com uma segurança e simplicidade de criança. confesso que, antes mesmo de conhecer a letícia pessoalmente,  já fui alertado pela ana claudia (amiga que nos apresentou) de que ela era “uma grande artista”. fui curioso e direto pra conferir se batia. e bateu.
* o disco passa a sensação de ter sido feito com calma, de forma mais artesanal. como foi o processo de composição e gravação?
letícia – o processo de composição é sempre o mais agradável possível, quando feito com amor. sem pressa pela rima, pela forma, apenas o fluir tesudo das palavras na melodia, normal, normal. a gravação exige mais concentração e detalhes técnicos, mas mesmo assim também foi feita de maneira quente e próxima. é bom saber que essa sensação chega para os outros.
lucas – a receita desse disco foi basicamente: calma na construção, técnica no registro e ansiedade pra finalização. tem o valor de uma dedicação amorosa e sem prazos, mas muito importante pra nós.
* a Letícia é atriz e já fez stand-up comedy, o Lucas já teve várias bandas também. contem um pouco sobre seus projetos antes do Letuce existir. estão todos ativos ainda ou o Letuce é prioridade agora?
letícia – eu continuo atuando por aí, agora mesmo estou rodando um longa, onde faço a melhor amiga da cleo pires, vai chamar “qualquer gato vira lata tem a vida sexual mais sadia que a nossa”. mas música é meu amor maior, gostaria que fosse minha prioridade, mas ainda não é, por questões financeiras.
lucas – além do letuce, hoje, toco teclado com o lucas santtana, faço uma temporada também como tecladista com o qinho , fecho a trilha de um longa metragem esse mês, e estou ativando um trabalho com o baterista bernardo palmeira, um concerto pra guitarra e bateria.
* por que “Plano de fuga para cima dos outros e de mim”?
letícia – é pedaço da letra de “horizontalizar”, uma música muito íntima e especial. não tem explicação pá-pum, é mistério pra gente também. 
lucas – um disco, de uma maneira bem prática , é um jeito de existir musicalmente, um certificado físico de existência. o plano é dar amplitude pro que sentimos e a música é esse suporte. a fuga é dos nosso sentimentos, que saem da boca e dos instrumentos e vão parar não sei onde. pra cima dos outros, de quem ouve e vê os shows, e de mim, porque se ouvir é um ato de reflexão de altíssimo grau de intimidade.
* como foi regravar Rita Lee e Marina Lima? elas ouviram? o que acharam? e por que regravar Rita em francês?
letícia – a rita lee não sei se ouviu, a marina ouviu e gostou muito. ficou feliz, assim como eu. quis homenagear a rita lee, mas de maneira diferente, trocentas pessoas regravam, e ela é a RITA LEE, então quis brincar, como ela é a maior maluquete. minha mãe é professora de francês, pedi pra ela traduzir e começamos a brincar no estúdio. adoramos o resultado instantaneamente.
lucas – foi de primeira que saiu esse arranjo.
* por falar na Rita, assim que eu soube que vocês são um casal, foi inevitável lembrar da parceria dela com o Roberto de Carvalho. vocês notam alguma semelhança? qual a importância do amor na música de vocês? ou melhor, qual a importância de ser um casal dentro de uma banda?
letícia – tem também a cher e o sonny, a joelma e o chimbinha e alguns outros casais na música. temos amor à música desde recém-nascidos, sons, barulhos. música e amor sempre combinaram, de qualquer maneira. mas é uma sorte ter um namorado músico, sendo uma compositora, o encaixe nos permite passear. 
lucas – recíproca verdadeira. delícioso trabalhar com a namorada, vê-la sempre e ter coisas em comum com quem se ama. isso, ao contrário do que se imagina, em se tratando de música, aproxima muito.
 
* não que eu esteja querendo jogar praga, veja bem, mas e se o relacionamento de vocês acabar, como isso se refletirá na música?
letícia – hahahahahaha, entendo a especulação sobre a curiosidade, mas veja bem, eu não sei nem o que vou almoçar amanhã, sabe? mas música é para sempre. ponto. essas músicas que fizemos já são eternas. ponto.
lucas – o que vamos almoçar amanhã eu não sei, mas no jantar deve ser salmão com manteiga de alcaparras e shoyo. música é pra vida. não penso nessa hipótese de o amor chegar ao fim. tenho crença no amor, na letícia como mulher e em nós dois como um casal capaz de se transformar.
* percebo que, nos clipes e fotos de divulgação, vocês experimentam bastante com intervenções visuais. qual o grau de relacionamento de vocês com artes plásticas ou visuais? como isso influencia na música?
letícia – eu sempre fui atacada e cutucada por toda as direções que a arte aponta, e elas são muitas. teatro, dança, música, performance, artes plásticas. eu sempre delirei, eu sempre embarquei. quando era criança, meu pai tinha luznegra e eu e um irmão gostávamos de desenhar com marca texto no corpo só pra ver brilhar. trouxe isso para o show porque contei para o lucas como quem conta um detalhe da infância e ele ficou “olha! vamos usar isso” e ficou demais. influência musical é muito além de outros nomes da música. um passeio para a quinta da boa vista me rende uma melodia, se perder nas ruas de paris pode render letras também.  tudo pulsa e tudo é inspirável.
lucas – desde que fiz minha primeira trilha sonora pra cinema, tive a amizade e a consultoria luxuosíssima do artista plástico paulo camacho, que foi quem misturou o universo de artes visuais (principalmente o videografismo e fotografia) com a música que faço. a letícia faz vídeos excelentes, pessoalíssimos e curiosos que adoramos usar em cena também. minha irmã é artista plástica, tudo reverbera.
* li que nos shows vocês tocam de tudo. misturam Temptations com Bossa Nova com Só pra contrariar, Sade com Raça Negra. o público aceita bem essas fusões? vocês vêem relação entre esses sons ou a idéia é provocar mesmo?
letíca – eu e lucas temos relação deliciosa com memória afetiva. como era estar na sétima série e ouvir tal pagodinho no boteco ao lado da escola? a gente canta porque nos causa uma alegria, temos intuito de provocar felicidade com a memória, só isso. TUDO isso. o público se emociona sempre, fica um clima dança da vassoura no salão. 
lucas – provocar a emoção, essa é a meta do artista. usando o passado, o futuro ou o cotidiano. se nos faz bem, especulamos que possa fazer também a mais alguem. eu falo inglês bem mal, por isso as músicas pra mim sempre foram mais melódicas do que líricas, então juntar coisas brasileiras com clássicos de rádio americano ou inglês sempre foi muito natural. eu ouço o fenômeno sonoro com mais precisão.
* aliás, como vocês vêem a cena musical independente no Rio de Janeiro? vejo muita gente reclamar que isso praticamente não existe mais, que a cena do Rio é formada por meia dúzia de gatos pingados, que o público não apóia. bairrismos a parte, o que está acontecendo no Rio? o cenário é tão desesperador assim?
letícia – que a cena existe, ela existe. mas infelizmente é limitada. algumas bandas se beneficiam em editais, outras se transformam inúmeras vezes na vontade de agradar o público mais popular do rio, com samba, talvez. é tudo muito incerto e caótico, às vezes. mas é o que temos. estamos tentando atacar outras cidades também.
lucas – o rio é bom de morar, tem gente criando e fazendo, o mercadão sempre existiu e sempre foi pra poucos. mas  nunca se fez tanta música como hoje em dia. a cena se renova a cada 15 dias e isso é excelente, porque faz a rapaziada queimar a mufa elaborando novidades e coisas que possam tirar determinado projeto do lugar-comum. viver de música é raro e complexo até nas cidades mais “quentes” culturalmente. talento não se compra e quem faz com o coração consegue ser visto e colher frutos. não é na base do “estourar na rádio” com era antigamente . é, como diz o lucas santtana “tijolo a tijolo, dinheiro a dinheiro”
* que bandas do RJ vocês recomendam?
letícia – nós amamos o trabalho da ava rocha, uma voz maravilhosa, proposta intensa, bonita. o qinho também é um cantor do qual gosto muito, fala de amor com muita naturalidade e carinho.
lucas – o show do rogério skylab é demais. abayomy afro beat orquestra, pra quem curte dançar até o chão. 
* que tipo de música andam ouvindo?
letícia – eu ando ouvindo modest mouse e juana molina.
lucas – estou estudando novamente  algumas partituras do villa lobos e escuto randomicamente a obra dele. eric satie também. e a música “deixou digitais” do luan santtana.
* quais são os planos agora? turnê, disco novo, clipe? onde encontrar o disco?
letícia – tudo também. tocar em outras cidades, mostrar a história, gravar um outro disco no final do ano talvez, vamos ver. qualquer um pode comprar nosso disco através da loja online do nosso selo: 
http://www.bolachadiscos.com.br/loja/
lucas – talvez um disco de releituras no estilo radio-churrasquinho antes do fim desse semestre. coisa pra rir e curtir. show fora do Rio, já tem algumas coisas, e selecionar repertório pra um disco no fim do ano, tomara.
* alguma mensagem final?
romance, diversão e liberdade.


5 Responses to “entrevista com a banda letuce”

  1. 1 Maurício Borges

    Eles arrazam sempre. Isso que é cinema digital. Letuce e Radiohead entenderam isso até agora.

  2. 2 diogo

    muito bom, muito bom!


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